sexta-feira, março 28, 2008

Adeus a um amigo


Conversa com café. Era isso que animava aquelas quintas-feiras de tédio medieval. Toda semana era assim, descíamos aquela rampa sem nunca mencionarmos o cansaço. E com serenidade ele falava de coisas interessantes. Logo me perguntava: e o cello? Com uma cara malandra, um sorriso cerrado, de quem pensa com malícia: vamos ver o que ela me responde hoje. E assim ele acompanhava minhas descobertas musicais. Sempre com o olhar vivo de um completo curioso. Era isso que o fazia tão especial, tão incrível. E era como eu admirava sua inteligência. Nessa humildade ao conhecer as coisas, as coisas e os outros. Lembro um dia em que eu bebia um suco de cajá. Ele me olhou com cara de dúvida e perguntou: que isso? cajá? Não conheço. Expliquei que era uma frutinha laranja que não dava por aqui. Ele tomou um gole e reclamou: doce, né? Fazendo uma careta. E voltou radiante a me falar sobre como ele gostava do Antonio Meneses.


Conviver com o Ivan era assim...


tranqüilo e instigante.



“Vai teu caminho que eu vou te seguindo

No pensamento

e aqui me deixo rente

Vai tua vida, pássaro contente

Vai tua vida que eu estarei contigo”

(Monólogo de Orfeu. Vinícius de Moraes)

sexta-feira, março 07, 2008

Carta a um amigo

Tem vezes que a raiva é tanta
que dá vontade de chorar.
Tem vezes que a tristeza é tanta
que não dá.

Acho difícil chorar desde algum tempo depois da morte do meu pai. Mesmo quando sinto falta de deitar em cima da barriga dele e de ficar sentindo aquela respiração de elefante, longa e lenta. As vezes eu o encontro nos meus sonhos, nas minhas angústias, na minha saudade. E minha maior dificuldade foi decidir não vê-lo no meu pensamento, ignorá-lo, fazê-lo sumir.

Penso que as separações são como esse luto, a cada uma que sofro, endureço. E junto, sinto a mesma falta do que não existe. A mesma saudade insolúvel, do mesmo irresoluto...

Quando eu voltar a chorar, eu te conto...

segunda-feira, março 03, 2008

O dia em que o futebol desafiou a guarda.

Contra a monotonia do clássico paulista:


Parecia dia de votação em Ruanda. Amontoados, todos esperavam ao lado da linha de contenção feita pelos “boinazul”. De braços dados, tentavam não ultrapassar o espaço estipulado pelo soldado, que caminhava livremente pelo outro lado. Alguns subiram nas grades para conseguir manter a média de cinqüenta e dois homens por metro quadrado. De repente, de cima do caminhão, sai a notícia pelo alto falante: Calma! A bilheteria já vai abrir!!!
Era 28 de agosto de 2004, Haiti x Brasil, em Pt. Príncipe.

***
Depois de uma galera passar mal na fila e ser socorrida pela “união das nações”, chegou a hora: “dois!”
O bilheteiro, enxugando o suor que escorria em bica pela sua testa, insistia em não deixar: “É um por pessoa!! Só um!”(acho que ele até usava um colete à prova de balas). E a fila não se conformava. Cada um que chegava tomava essa notícia na cara e lamentava pela ausência de alguém para comprar-lhe o segundo. Ou, enfurecidos, volteavam tentativas de golpe no pobre do bilheteiro, desamparado pelo exército brasileiro.

***
Durante a partida, a rua deserta denunciava a tramóia e uma voz sábia dizia: É o pão e o circo! Essa é a missão da ONU aqui. E a arma é o carisma.
Mas de todas as tentativas, foi esse o dia:
em que o futebol desafiou a guarda.