quinta-feira, dezembro 27, 2007


Sempre que passamos por uma situação de grande euforia parece que gastamos nosso último sopro de vida e então ficamos atônitos diante do mundo. A situação pode se estender por alguns meses quando as coisas caminham como queremos, por algumas semanas, enquanto ainda não nos apaixonamos, ou apenas por uma única noite, naquela balada onde deixamos voz, memória e dignidade para trás. É nesse “dia seguinte” que sentimos aquele vazio de quem consumiu, consumiu e agora não sabe porquê. Um vazio de quem não conseguiu realmente construir algo que ficasse consigo mesmo, um novo patamar no nosso conhecimento sobre nós e sobre nossas vontades. Uma lembrança que logo se apaga.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Adeus ano...

Não consigo sentir nada de diferente no natal. Não me emociono, não sinto mais afeto pelas pessoas. Não acho que me importo com o nascimento do cara. É só uma grande desculpa para comermos bem e levarmos a balada até o dia seguinte, porque afinal ela já começa a uma da manhã.
Acho bem diferente da virada do ano novo. Nela, ainda que signifique apenas uma data no calendário infinito de nossas vidas, o mundo nos avisa: olha, um ciclo para mim está se fechando. Não é a toa que realmente muitas coisas se iniciam ou se finalizam próximo a esta data: pessoas são despedidas ou mudam de emprego (muitas no meu trabalho neste ano!), vontades que há muito nos acompanham viram promessa, algumas tretas são perdoadas e esquecidas, outras são inauguradas. A gente realmente mentaliza e medita sobre aquilo que vivemos neste marco cronológico que chamamos de ano.
E eu acho que é pra isso que serve a virada, para auto-crítica. Para a gente olhar nossa própria ação no mundo e avaliar se é assim mesmo que gostaríamos de viver.
No último reveillon, senti imensamente a falta do meu pai. Estávamos em uma praia de Ubatuba, onde se chega apenas de barco ou trilha. Ele nos levou lá a primeira vez. Eu era tão pequena que aquela distância de seis quilômetros de ida e seis de volta me custava o humor. E mesmo sob o aviso de Não vou carregar ninguém no colo!, íamos eu, minha irmã e meus primos andando atrás dos adultos naquela trilha onde raramente encontrávamos outras pessoas e quando isso acontecia, nos cumprimentávamos como se nos conhecêssemos há muito. Tudo isso era compensado pelo que encontrávamos no final daquele sacrifício: a praia mais bonita, calma e vazia que eu conhecia até então. Ficávamos lá o dia inteiro, tínhamos que levar comida, pois nada havia ali. Quando tínhamos pique íamos para a próxima praia, onde há ainda hoje uma vila de pescadores e, enquanto os adultos saboreavam uma cerveja geladíssima, nós nos acabávamos na Tubaína. Era lindo. Até termos que pegar a trilha de volta...
Hoje tem tanta gente passando nesta trilha que daqui a pouco entra um carro por ela de tão larga que ela se tornou. Andando por ela, há uma multidão de gente que nem se olha quando se cruza pelo caminho, afinal vida no lugar não é mais algo surpreendente. A cidade grande chegou lá, onde pra meu pai era lugar tão sagrado.
Estar lá, neste espaço tão familiar e ao mesmo tempo tão mudado, sem ele, me fez pensar muito. Em quanto nós não temos noção do tempo e de que coisas brutalmente repentinas podem nos tirar de um eixo tão cômodo e nos colocar em situações de sofrimento muito intenso.
Mas ao mesmo tempo são nesses mesmos escorregões que depositamos nossas esperanças do “ano que vem”, na mudança que as vezes não depende do nosso esforço humano. No mundo maluco em que vivemos, não nos basta a auto-crítica, o ano novo é o lugar da fé. É por isso que vou acender de novo, neste ano, a minha vela e pular as ondinhas do mar.

sábado, dezembro 01, 2007

"Amor Barato"

Fazia quase um mês que ela não sentia aquela pele que a esquentava pelo menos uma vez por semana. E, naquela noite, ainda cansada pelo dia corrido, levantou-se, prendeu os cabelos enrolados bem no alto da cabeça, pintou os olhos de negro e, com a boca carmim, saiu de casa como uma gueixa.
Quando chegou ao bar, ainda na porta, não olhou para o salão como de costume. Manteve-se no presente. No presente da moça que lhe pedia o nome e seis reais para ouvir a banda que tocava. Entrou. Displiscentemente foi ao bar. Andou como uma desconhecida. E este andar de desprezo chamou a atenção dele que a observava pelas frestas das cabeças que se multiplicavam, balançando-se ao som da música e escondendo a imagem dela que surgia as vezes por entre a multidão.
Ela tomava uma cerveja no balcão, quando ele se aproximou. Pediu um trago de cachaça e voltou-se a ela:
- cadê o seu namorado?
Ela deu um gole no copo gelado, com desdém, depois apertou os lábios para não rir e, levantando a fina sombrancelha, retrucou:
- Você acha que eu sou tão fácil assim pra namorar?
Ele sorriu. Lembrou-se do humor que a deixava tão deliciosa. E, na rapidez de uma pisadela e um beliscão, foram embora juntos.
Chegaram na casa dela e, mal abriram o portão, ele a levantou no colo e começou a beijá-la, ainda no jardim. Foram cambaleantes para o quarto, tropeçando neles mesmos. E caíram na cama, como se nunca tivessem feito isso.
Ela sentia aquele peso trêmulo que dava matéria a sua vida, ao seu sono. Ele olhava-a como se sugasse sua alma. E os dois se apertavam como se pudessem arrancar um pedaço do outro para tê-lo consigo.
Quando tudo começou a virar sonho, ele levantou um dos braços e deu-lhe um tapa no rosto. Ela rapidamente reagiu e, com uma força que ele nunca havia visto, tentou afastá-lo, estapenado-o.
Sua cara era uma mistura de fúria e susto. Ela estava assustada, mas não queria ainda soltá-lo. Segurando-a pelos braços, ele conseguiu dominá-la e a abraçou quase suficando-a. A respiração ofegante embalou os dois até a exaustão.
Ao final, sentindo ainda o pulsar do outro, adormeceram abraçados. E ela sentiu-se amada.