terça-feira, agosto 11, 2009

Homem demais pra 50%

Eu ando admirando os velhos. Não... Acho que mais do que os velhos, os antigos. Ser simplesmente velho, não garante que se tenha a calma de quem aprende com sua própria antiguidade. Visto dessa maneira, acho que até é possível ser moço e antigo, basta saber compreender as coisas com a experiência do seu próprio tempo - seja ele 30, 50 ou 85 anos - e saber aproveitar o vivido. Essa calma de que falo é aquela da sabedoria, da sensibilidade sobre aquilo que nos rodeia. E podemos percebê-la em alguém, apenas pelo seu modo de olhar.
No final de semana passado, soube de uma homenagem ao Paulo Vanzolini que seria prestada pelo grupo Lira da Vila, em um boteco ao lado de casa, aqui no centro. Chegando lá, estava formada a roda. Um senhorzinho, calado, um pouco sisudo, acompanhava, pelo canto do olho, o desempenho do bandolim sentado ao seu lado. Do outro, o violão do Ítalo Perón dava a cadência para o choro. Era o Paulo Vanzolini. A emoção de estar ali naquele bar apertadinho, tomado pela música e com a presença dessas pessoas já pairava no ar, ludibriando a todos. A alegria estava estampada nos rostos. Todos se olhavam sorrindo, sem muito acreditar que o velhinho havia recebido um e-mail comunicando a homenagem e, sem nem responder, aparecera no boteco, naquele boteco! Onde bebemos, vez por outra, na saída do trabalho. A noite estava bem bonita. A roda começou a tocar Brasileirinho, o choro do Waldir Azevedo que, no final, cresce incrivelmente no andamento. O pandeiro não acompanhou... Minha mão já coçava e tremia na vontade de não deixar aquele trem todo cair por causa da cozinha e pedi a vez. Sentei-me na roda e entrei na pegada do Brasileirinho. Todos me olharam com alguma confiança, dando cumprimentos de aprovação. Parecia que o pandeiro tocava sozinho, meus dedos ficaram dormentes e minha atenção toda no violão. Tocamos outros choros e alguns sambas-de-breque. Elegi o Ítalo Perón, meu maestro. Ele apenas me olhava, acenando com a cabeça e lá vinha o breque! Fomos assim até que ele se levantou da roda. Fiquei órfã. Olhando minha cara de tristeza, ele logo me disse: “Calma, você vai ver o João, ele é muito bom.” De repente, senta-se na minha frente um senhor, com o violão quase na vertical, solta um sorriso, pisca devagar os dois olhos, como quem diz: “Olá”, ajeita o microfone e começa a cantar "Maria que ninguém Queria", do Paulo Vanzolini, com uma voz incrível! Coisa mais linda! Grave, antiga, cuja imponência contrastava com a humildade do seu semblante. Era o João Macacão. Velha guarda do choro, violonista de primeira!
Eu me vi ali: o único pandeiro da roda, de frente pra ele, esperando o seu sinal. Quando começamos, ele me olhou dando a entrada e deu certo! Ai ainda bem... No decorrer das músicas, eu não tirava os olhos dele e vi que ele apenas me dizia o necessário, calmo, sorrindo tranqüilo. Essa cumplicidade de olhar quase me matou do coração. Levantei-me da roda e passei a vez. Ele depois sumiu na multidão, sem que ao menos eu conseguisse lhe dizer sobre a sua tranqüilidade malandra e de como tudo aquilo foi bom. Mas talvez tenha apenas servido para eu escrever aqui e deixar que essa admiração vá crescendo através de outros, novos, antigos olhares...
A música:
(com João Macacão - Acerto de Contas - disco 1)
A roda: