sexta-feira, maio 23, 2008

Eu contei a minha história

Contar sua história é um jeito muito gostoso de organizar uma memória sobre aquilo que a gente julga importante nas nossas vidas. Tudo começa na escolha do que contar. Confesso que fiquei um tanto aperreada por aquilo que eu teria que ignorar, teria que “esquecer”, para dar lugar na narrativa àquilo que nela caberia. Deixar alguma história de lado significa também eleger uma outra para ser registrada; para, de alguma forma, sintetizar o que você acha que é, naquele presente. Quais, de todos os meus sentimentos, que se confundem e convivem neste momento, eu quero destacar, eu quero trazer à tona? Acho que, no fim, é essa a pergunta que nos fazemos.

Cheguei na praça Pôr-do-Sol, onde faríamos a roda de histórias, sozinha. E fiquei namorando São Paulo, enquanto essas questões me vinham à cabeça. Muito rápido, o tempo passou e as demais pessoas chegaram. Sentamos em roda e começamos a tentar entender o que é o movimento Um Milhão de Histórias de Vida de Jovens. Uma iniciativa do Museu da Pessoa e da Aracati, hoje ele parece ter vida própria, se multiplicando pelo país, pelas Ongs que se dispõem a pensar sobre a juventude, sua diversidade, seus problemas comuns, sua capacidade de se mobilizar e de mudar.

No dia anterior, eu havia encontrado uma pessoa, minha xará, que me contava o quanto as pessoas do instituto onde ela trabalha estavam deixando de fazer suas atividades do trabalho para pensar, elaborar e registrar sua história. Percebi que era uma coisa muito poderosa. Eu já havia participado da criação de várias fontes orais, mas sempre na condição de entrevistadora, de quem estimulava e escutava com atenção e interesse a história daquela pessoa que estava na minha frente, falando de coisa que, muitas vezes, ela não havia contado a ninguém. Para os antigos tornar sagrado é romper com o cotidiano, é retirar algo trivial dele e articular esse objeto ou essa ação a outras instâncias, que apesar de, no caso dos antigos, serem apenas instâncias divinas, é em si uma forma de comunicação. Quando eu vejo e ouço uma pessoa tirar sua memória do lugar comum para transformá-la em narrativa e em registro, acho que aquela história foi posta à condição de eterna, de coletiva, de pública, se sacralizou. Então, pra mim, o ato de contar e ouvir a histórias de vida é um momento sagrado.

Sentamos na grama e ouvimos alguns registros que haviam sido feitos em outros círculos de histórias do Um Milhão e, depois, começamos a contar as nossas. Ouvir aquelas pessoas é descobri-las naquilo que elas pensam de si e da suas próprias vidas. E ajuda-las a organizar esse pensamento em uma narrativa é incentiva-las a refletir sobre isso. Assim me senti, ao escutar quem havia me escutado. Fizemos nossos roteiros e registramos nossas histórias.

Ao final, me senti cúmplice de todos eles e nos vi parte de uma mesma grande história...












“...habilidade de imaginar nossa identidade como sendo algo formado de narrativas de eventos e de acontecimentos históricos que nos dão um sentimento de um fluir, de algo que é o mesmo... aquilo que faz com que a gente tenha um sentimento de totalidade...”

(Jurandir FreireCosta)

De canto, por Julia Basso

quarta-feira, maio 14, 2008

13 de maio

Ontem comemorou-se, à revelia da crítica de muitos, os 120 anos da abolição. Nos jornais, o mesmo discurso decenal sobre o fim ilusório das relações de desigualdade e de preconceito. Até uma comparação com o extermínio dos botocudos, decretado 80 anos antes do “feito” da princesa Isabel, dividiu a página de opinião da Folha com um artigo sobre o “13 de maio”, só porque ocorreram no mesmo dia do mês. Outros, simplesmente não se incomodaram com data que julgavam tão hipócrita. E preferiram ver o Coringão ganhar de 3x1 e passar para as semi-finais da Copa Brasil, ao sabor de uma brejinha bem gelada.

Sendo o Dia ou não, na rua a treta continuou como sempre.

Um vendedor de bala para uma instituição que cuida de moleques em “recuperação”, ou seja, um militante contra o tratamento dado nas febens e, portanto, orgulhoso por vender balas para a terceirização da reclusão de jovens “problemáticos”, chega com toda a sua prepotência de quem acha que, qualquer um sentado na mesa vendo o jogo, não liga a mínima para os problemas do mundo. Na mesa, estou eu, minha irmã, a Lila, que mora bem no sul da zona sul, e um amigo dela que veio de Angola, o Pitshu. Minutos antes, uma senhora havia pedido para comprarmos suas balas e, juntando as moedas de nós quatro, arrebatamos cinco pacotinhos da caixa de confeitos da moça. O cara pseudo-militante-para-o-bem-de-adolescentes chegou e, mirando as balas que ficaram espalhadas em cima da mesa, lançou um: “Aê, eu tô ligado que vcs já ajudaram bastante aí alguém, mas eu sou do Lar de Meninos e vou deixar aqui a bala só pra divulgar”. Beleza! Sussa! Pode deixar aí! Apesar de não haver nada além de um pacote de halls para fazer tal divulgação.

Quando ele voltou, a Lila falava comigo e explicava sobre um trampo que ela estava fazendo para avaliar a qualidade do programa Guri, que ensina gratuitamente música para crianças. Ela dizia que a meta de proficiência dos avaliadores não tinha nada a ver com a realidade da molecada, que não queria crescer, virar músico e “dar certo na vida”. Eles estavam tirando uma onda mesmo, tendo uma experiência musical, e que, em Iporanga, por exemplo, as aulas às vezes perdiam para um banho na cachoeira.

Depois de ficar olhando com cara de merda para nós, o cara interrompeu a Lila, dizendo ironicamente: “Ae, desculpa atrapalhar aí a moça e seu discurso emocionado....” E, sem nem ouvir isso, porque ainda falava, a Lila voltou-se ao cara e disse: “Valeu, irmão, mas a gente não tem mais grana”. O sujeito ficou com cara de nojo e retrucou, para mim, que continuei a olhá-lo, porque percebendo o mal entendido, me ofereci para ouvir a tal da divulgação: “Da próxima vez, eu só converso com vocês duas”, apontando para mim e para a minha irmã, as duas únicas aparentemente brancas da mesa. Nem minha irmã, nem o Pitshu haviam dito absolutamente nada! Só eu e a Lila! O cara separou a mesa entre brancos e pretos! Entre boazinhas e cuzões!! Ente conversáveis e não-conversáveis! Mano... aí o bicho pegou. A Lila exigiu respeito por parte do cara que começou com um discursinho besta de: “quantos quilômetros vocês andaram para chegar aqui na Augusta?” Sem nem explicar nada, que podia quebrar as pernas do cara, ela só pediu para o cara ficar na dele e não tratar com essa prepotência quem ele não conhecia, quem sobre a vida ele não sabia absolutamente nada. O cara foi embora, ainda achando que tinha razão. Mas a Lila virou-se e continuou a ver o jogo com a tranqüilidade de quem vê essa babaquice sempre e sabe muito bem o que diz.


Resistir não tem data.

terça-feira, maio 13, 2008

Outro dia me perguntastes o que vi em ti...

Fiquei tão desconcertada com aquele olhar,
procurando no fundo de mim
algo que justificasse o meu querer,
que acreditei mesmo ter, ele
essa pureza, essa despretensão.
E apenas consegui beijar-te.
Mas relembrando agora
esse instante, esse disparate,
sinto em mim teus lábios risonhos encostar

E para não passar em branco
essa brincadeira, de tesão,
digo que gosto-te por perguntar...