quarta-feira, maio 14, 2008

13 de maio

Ontem comemorou-se, à revelia da crítica de muitos, os 120 anos da abolição. Nos jornais, o mesmo discurso decenal sobre o fim ilusório das relações de desigualdade e de preconceito. Até uma comparação com o extermínio dos botocudos, decretado 80 anos antes do “feito” da princesa Isabel, dividiu a página de opinião da Folha com um artigo sobre o “13 de maio”, só porque ocorreram no mesmo dia do mês. Outros, simplesmente não se incomodaram com data que julgavam tão hipócrita. E preferiram ver o Coringão ganhar de 3x1 e passar para as semi-finais da Copa Brasil, ao sabor de uma brejinha bem gelada.

Sendo o Dia ou não, na rua a treta continuou como sempre.

Um vendedor de bala para uma instituição que cuida de moleques em “recuperação”, ou seja, um militante contra o tratamento dado nas febens e, portanto, orgulhoso por vender balas para a terceirização da reclusão de jovens “problemáticos”, chega com toda a sua prepotência de quem acha que, qualquer um sentado na mesa vendo o jogo, não liga a mínima para os problemas do mundo. Na mesa, estou eu, minha irmã, a Lila, que mora bem no sul da zona sul, e um amigo dela que veio de Angola, o Pitshu. Minutos antes, uma senhora havia pedido para comprarmos suas balas e, juntando as moedas de nós quatro, arrebatamos cinco pacotinhos da caixa de confeitos da moça. O cara pseudo-militante-para-o-bem-de-adolescentes chegou e, mirando as balas que ficaram espalhadas em cima da mesa, lançou um: “Aê, eu tô ligado que vcs já ajudaram bastante aí alguém, mas eu sou do Lar de Meninos e vou deixar aqui a bala só pra divulgar”. Beleza! Sussa! Pode deixar aí! Apesar de não haver nada além de um pacote de halls para fazer tal divulgação.

Quando ele voltou, a Lila falava comigo e explicava sobre um trampo que ela estava fazendo para avaliar a qualidade do programa Guri, que ensina gratuitamente música para crianças. Ela dizia que a meta de proficiência dos avaliadores não tinha nada a ver com a realidade da molecada, que não queria crescer, virar músico e “dar certo na vida”. Eles estavam tirando uma onda mesmo, tendo uma experiência musical, e que, em Iporanga, por exemplo, as aulas às vezes perdiam para um banho na cachoeira.

Depois de ficar olhando com cara de merda para nós, o cara interrompeu a Lila, dizendo ironicamente: “Ae, desculpa atrapalhar aí a moça e seu discurso emocionado....” E, sem nem ouvir isso, porque ainda falava, a Lila voltou-se ao cara e disse: “Valeu, irmão, mas a gente não tem mais grana”. O sujeito ficou com cara de nojo e retrucou, para mim, que continuei a olhá-lo, porque percebendo o mal entendido, me ofereci para ouvir a tal da divulgação: “Da próxima vez, eu só converso com vocês duas”, apontando para mim e para a minha irmã, as duas únicas aparentemente brancas da mesa. Nem minha irmã, nem o Pitshu haviam dito absolutamente nada! Só eu e a Lila! O cara separou a mesa entre brancos e pretos! Entre boazinhas e cuzões!! Ente conversáveis e não-conversáveis! Mano... aí o bicho pegou. A Lila exigiu respeito por parte do cara que começou com um discursinho besta de: “quantos quilômetros vocês andaram para chegar aqui na Augusta?” Sem nem explicar nada, que podia quebrar as pernas do cara, ela só pediu para o cara ficar na dele e não tratar com essa prepotência quem ele não conhecia, quem sobre a vida ele não sabia absolutamente nada. O cara foi embora, ainda achando que tinha razão. Mas a Lila virou-se e continuou a ver o jogo com a tranqüilidade de quem vê essa babaquice sempre e sabe muito bem o que diz.


Resistir não tem data.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Gostei da história, ou de pelo menos, alguém ter vontade de escrever sobre isso. Mas gostaria de ouvir com mais detalhes, principalmentes os pensamentos e opiniões que ficam nas elipses.
Beijocas saudodas, morena

4:33 AM  

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