segunda-feira, agosto 28, 2006

12 horas, três dias e um chefe louco




Em pé, na porta do “evento”, sentia o peso dos cem contos que valiam aquele meu dia. Ainda nas primeiras duas horas, sentia um espírito Amélie Polain de querer ajudar a orientar todas aquelas pessoas que iam gastar, a mesma quantia que eu ganharia, só em livros. Dos mais variados: das “50 receitas com berinjela” aos quadrinhos eróticos da Conrad. Tudo devidamente caro e exposto em stands de madeira, de onde se podia observar a tudo e a todos. Hum...uma dorzinha no calcanhar. Encosto no parapeito e logo recebo uma ordem de - Mantenha a Postura! Do outro lado o guardinha já me olha feio e faz um gesto para que eu desencoste, me alertando que assim que eu quisesse chamá-lo era só escorar de novo no ferro frio. Putz...vamos lá! Respira fundo e -Bom Dia! O senhor quer o catálogo?
Quando passaram-se seis horas e percebi que faltava ainda tudo o que já tinha ido, resolvi que era melhor não parar, ou eu dormiria o sono ao qual tinha me furtado na noite anterior em razão do samba. Bem prudente. E com o sorrisão largo, retomei o espírito “ajude a família feliz a gastar seu dinheiro”. Achei melhor ficar no auditório e assistir à palestra que ia começar, enquanto servia água, arrumava os microfones e ajeitava os nomes na mesa. Era sobre papel. Isso mesmo! Sobre como o volume de eucaliptos plantados ia triplicar em cinco anos e a empresinha-sem-vergonha ia lucrar dez vezes mais. Ainda bem que alguém na platéia reagiu. Minha condição de moça-da-produção não em permitia e enquanto eu segurava o microfone com minhas mãos já suando, a senhora-editora questionou o palestrante sobre os problemas ambientais da produção do papel:
-Mas e o solo?
O dono da distribuidora pediu a palavra e, arrancando o microfone da minha mão como se eu fosse um pedestal, prontamente tratou de explicar:
- Não, mas veja bem: enquanto o eucalipto cresce, nós incentivamos famílias camponesas a plantar nos corredores e, assim, o solo é preservado, além de afastar os sem-terra...
Engasguei com minha própria saliva e não pude evitar a cara de horror. A moça se voltou pra mim, pegou o microfone e fez a tréplica:
- Ah, é? Pra depois você mandarem eles embora ou pra eles virarem tudo operário da fábrica?
O palestrante abriu um sorriso amarelo, sem ao menos entender a ironia da pergunta. Eu não consegui me conter. Sucumbi numa gargalhada que constrangeu até a mulher da pergunta e sob o olhar intrépido do meu chefe, me calei. Continuei ali sem que ninguém me notasse, tão pouco aqueles que precisavam de mim. Ufa! Acabou. Agora só amanhã.

Nesse ponto minhas lembranças ficam um pouco confusas. Lembro-me bem do primeiro e do último dia. Esse interregno de mim, que foi o sábado, só passa a fazer sentido depois das dez da noite, quando começa o samba, então deixemo-lo pra lá.

Uhu! Último dia!! Não via a hora das doze horas passarem. De novo aquela sensação esquisita do corpo de duas toneladas. Tinha dormido novamente apenas quatro horas. Arrumamos uma treta com o chefinho que se sentiu despojado de sua autoridade quando pedimos a ele uma mesa para organizar o material. Solução: preparar tudo na sala da produção e carregar pilhas e pilhas de catálogos que irão para dentro de alguma gaveta que raramente será aberta, pra coleção de um louco ou acabar dentro do saco de lixo.
Alguns visitantes entravam e simplesmente não tiravam os olhos do caderninho vermelho, assim enquanto eu falava apontando pro material o sujeito já ia puxando ele da minha mão e fazendo um gesto afirmativo com a cabeça. Muitos passavam sem ao menos me olhar. Outros, mais perdidos, fitavam-me atentamente enquanto lhes explicava caminhos, horários e eu já tinha vontade de dar-lhes flores.
Que bosta ser invisível!
Esperamos todos ansiosamente à chegada das 17:00. Haveria uma palestra com o Jaguar que junto com uma editora carioca tinham reeditado todos os números do Pasquim publicados entre os anos de 1969-1971. Consegui comprar um exemplar e quando tentava levá-lo para um local seguro, uma moça me ateve:
-Por favor, menina?! Você poderia me dizer onde é o banheiro dos homens?
- é ao lado do orelhão. Ali, ó!
Foi então que uma voz rouca, toda enroscada dos “r” e “s”, perguntou:
- E onde é que é o orelhão??
Quando me voltei para traz a fim de verificar quem que tinha aquele besouro enorme na garganta, reconheci-o, era o próprio: 74 anos, a cara roxa de tão bêbado. Jaguar, mais loco que o bozo! Ele já enganchou o braço no meu e me pediu que não o deixasse, depois tive que trazê-lo de volta porque ele já não lembrava mais o caminho.
Sentado na frente daquela platéia imensa, começou a rir e perguntou:
-E aí, o que vocês querem que eu fale?!
E contou por duas horas tudo o que eles fizeram pra deixarem de ser invisíveis, na época em que o chefinho era o estado! Acho que também vou trabalhar com uma garrafa de whisky do meu lado. Sipá só assim mesmo...

3 Comments:

Blogger Angelamô said...

Lê lê lerê, lerê lerê lerêêê!

1:54 PM  
Anonymous Anônimo said...

E nem podia tomar uma brejinha!!! Pô!

9:38 AM  
Anonymous Anônimo said...

E nem podia tomar uma brejinha!!! Pô!

9:38 AM  

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