sábado, julho 15, 2006

Fui

Sentada à mesa do bar e olhando os transeundes, acabei de desistir do cara. Era essa a decisão que eu queria tomar. Quem sabe assim ele deixa de povoar a inquietude do meu pensamento.
O copo gelado de breja: uma desculpa.
O horário: uma justificativa.
E ele: a única possibilidade...
Podia estar pensando em como aquele cara grisalho se parece com meu professor ginasial. Ou em como a cerveja me anestesiará da dor quente da cera que me aguarda para às quatro. Ou em como tem engravatados no mundo. Ou na arte negra de Edgar Degas.
Mas estou aqui quase sem ao menos me importar com o homem-placa e sua inércia controlada por algum fiscal a espreita.
Há um evento sobre saúde na rua ao lado. Menininhas-loirinhas-vestidas-de-branco circulam pelas redondezas rindo sem graça e medindo a pressão arterial de quem, como eu, bebe uma breja gelada no bar numa quinta-feira a tarde.
Ao menos, o frio passou.
Os dois caras a minha frente sentam juntos mas não conversam. Quando um deles abre a boca, não compreendo, acho que fala em inglês e sua voz não é pário para o motor do busão.
Que não pára.
As pessoas não conversam aqui. Passam rápido como o ônibus, nem mesmo o garçom tem paciência de trocar umas poucas palavras comigo. Parece entediado. O som dos autos é o que impera.
Ainda são cinco pras três. Chegou um novo homem-placa. Ele veste calmamente o banner de plástico que anuncia um cyber-café (coisa que ele não sabe o que é, será uma nova marca do aromático pó marrom??). Ajeita o cabelo branco e puxa as calças. Aperta inutilmente a gravata que fica escondida sob o plástico. Mas agora ele já está pronto. Pronto para cumprir seu turno na humilhação do subemprego. Elegante, ajeita a placa para que fiquem simétricas a frente e as costas e, com cara de cansaço, põe as mãos nos bolsos e espera. Espera a hora passar.
Eu devo esperar até as três e meia: eu, meu caderno e meu copo de cerveja que com o reflexo do sol fica dourado e quente.
O segurança não pára de me olhar. Olhar desconfiado. Não sei se da cerveja ou do caderno. Talvez eu não pudesse fazer isso há 30 anos atrás: ficar de papo pro ar, bebericando e escrevendo...SOZINHA!! Ah, só pode ser subversiva!! Quer ir pra tranca??! Vacilona!



Olha só, até o vento me encontra fácil nesse meio de tarde. São três e vinte e sete. E a brisa traz consigo de novo o mesmo pensamento. É prazer. Gostaria de me lembrar da gente. Mas o farol logo se fecha e me alerta que o mundo está ali, no arrastão das pessoas que atravessam a larga avenida e o nós...ah, os nós estão na minha cabeça. Pago a conta, acendo um cigarro e vou-me embora, atrás da velhinha que tem plumas no lugar de cabelos.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ai Juju... beber sozinha é uma confraternização com o mundo. A cada gole, um pouco mais dele pra alimentar esse quebra cabeça esquizofrênico que é a nossa cabeça. Toda a doidice do cotidiano sentado na cadeira em frente a nossa mesa... além de praticamente subversivo rsrsrsrs.
beijocas ....

12:47 PM  

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