segunda-feira, dezembro 21, 2009

Pai-neira


A paisagem do campo é mutável. Um dia o terreno está cheio de colonião. Na semana seguinte, está limpo, com a terra exposta, ao sol. Na outra, podemos ver aquele matinho apontando o primeiro sinal da maniva. Dias depois, ela já é um arbusto que esconde embaixo de si o alimento. Gosto quando, me aproximando de um assentamento rural, vejo que ele se modificou. A cana de outrora não está mais lá. É possível avistar o horizonte, onde antes o verde da folha escondia o céu. E já posso ver, ao longe, o cenário instável que são os assentamentos, a diversidade de tons que contrasta com o canavial monocromático.
Da mesma maneira, a paisagem do campo tem suas perenidades. E essas perenidades são as árvores. Estas, por sua vez, contam muitas histórias. A mangueira que sobreviveu ao primeiro despejo. O pé de abacate plantado por alguém que já se foi. Aquele urucum que já estava ali e permaneceu por conta do esmero do novo morador. Ou o pé de amora que marca a divisa do terreno escolhido pelo seu Antonio. Eu já presenciei até briga de facão por causa de uma jaqueira. São histórias que ouço ao percorrer essa infinidade de vida que se tem no campo. Cada uma é um vestígio de passado e um projeto de futuro. A cada ano, elas acumulam em si e no lugar um bocadinho a mais de história, como se fossem testemunhas do tempo.
Há um lugar, um pequeno sítio ao lado de uma montanha que, quando criança, eu ouvia ser chamado simplesmente de Floresta. Bem no cume deste morro, mora frondosa uma enorme paineira. Podemos avistá-la da estradinha de terra. Ela fica lá encima, vigiando as outras plantas. Lá está o meu pai. Para chegarmos até ela, temos que atravessar uma trilha que nem sempre conseguimos ao menos saber onde ela começa. Nós a abrimos muitas vezes, mas sempre a Floresta se regenera e nós a perdemos novamente.
No entanto, a paineira continua lá. E, quando vou chegando ao seu pé, já começo a me lembrar de quando estive lá pela primeira vez. É assim que, ainda este ano, irei prestar minha homenagem à história que ela me conta e também pedir a sua benção.
"Lá no morro,
uma luz somente havia,
era a Lua que a tudo assistia..."
(Quando o samba acabou - Noel Rosa)

2 Comments:

Blogger strl said...

Juju,
esse post tá tão lindo que parece uma oração...
um enorme beijo nesse coração gigante!

4:22 PM  
Blogger Angelamô said...

Um pé de painera dura pra sempre!
E além de tudo, flore algodões!

Beijo

2:49 PM  

Postar um comentário

<< Home