terça-feira, fevereiro 06, 2007

15 minutos na lotação

Esqueci meu bilhete único, bosta! Fui ajudar uma amiga a dar uma ajeitada no apê que ela vai comprar financiado. 650,00 por mês e a maravilhosa sensação de que seu dinheiro não está indo pro ralo, como ela mesma definiu. Passamos massa corrida, tampamos os buraquinhos de milhões de gerações e limpamos a gordura dos bifes de 1974. Depois tinha que ir ao médico. Saí um pouco atrasada e desci o largo meio correndo pra pegar um ônibus no corredor. À essa hora, multidões de pessoas esperavam ansiosas a chance de voltar pra casa. Pontos lotados. Sacolas, guarda-chuvas, bolsas, malas, aquele cheiro de desodorante...
Consegui rapidamente uma condução. Afinal, ali qualquer ônibus me serve.
Tive que descer em frente ao shopping e andar um quarteirão para pegar o outro ônibus que me levaria até o consultório. Tudo vazio. Estacionamento vazio, escadas vazias, lojas vazias.
Mas a rua em polvorosa. Como todo dia ‘útil’, às sete e trinta da noite.
Cheguei no ponto e ouvi a conversa de quem ia depois do Jd. Arpoador, pegar mais um ônibus. Lembrei o quanto esse ônibus laranjinha demora... Logo avistei um Pinheiros. Pronto! É nesse que eu vou! Subi e me sentei ao lado de uma mulher com sacolas, guarda-chuva, bolsa... Ela olhava pra fora e nem se mexia. Ninguém se mexia. Todos catatônicos, como se não estivessem ali. Talvez já estivessem em casa, no sofá, com seu filhos espalhados pela casa e um cheirinho de lar nas narinas.
Caras cansadas.
Cinco minutos na lotação e paramos em um farol que fica próximo à Universidade Católica. A molecada feliz, com a cara pintada, pedia dinheiro pra encher a cara de breja, aos gritos de alguns rapazotes de calça social: “Vai, bicho! Você perdeu aquele ali, ó!”.
De repente, um casal afoito começou uma constrangedora investida no coletivo: “Vai, tio! Uma moedinha! Um chiclete! Um real?”. Eu podia escutar o som das chibatas do menino que tranqüilamente ocupava o canteiro central e obrigava, aos berros, aqueles dois a pedir dinheiro para quem estava tentando voltar pra casa, depois de nove horas de trabalho, provavelmente por 5 reais/hora, com otimismo. Quase surtei: “Vocês não sabem que eles já pagam pela educação que não têm!”
Opa! Peraí! Eles? Então, EU tenho! Eu sou como vocês!
Senti culpa. Uma culpa “bromartesca”. Eu, medindo o “sangue dos outros”... Que egoista essa culpa de classe!
Em meio a esse sentimento que me assombrou, escuto:

“- Olha os paquitão pedindo dinheiro! Isso! Pede pro cobrador! Cobrador ganha bem mesmo! Vamo lá! Tudo filho de patrão...”

O carro inteiro se pôs a rir. Até a mulher ao meu lado. Me senti novamente parte daquilo que não sou. Daquele final de tarde de trabalho pra, no fim das contas, poder rolar um almoção beeem gostoooso no domingão!

Vai Brasil!! Porque todo mundo sabe do que sofre!