segunda-feira, abril 13, 2009

Sofri uma entrevista essa manhã...

Ando pensando muito na capacidade da História qualificar projetos de mudança, desde quando descobri o poder de organizar a Memória em uma narrativa e registrá-la. A Memória é uma significação no presente daquilo que imaginamos do nosso passado. O registro disso pode ter diversas funções. O historiador vê esse registro como documento, como um suporte de resultados das relações sociais que o produziram. Mas se pensarmos que no presente produzimos não somente significados para o passado, como também para o nosso futuro, a construção das nossas lembranças deve ter parte de nossas expectativas, projetos e sonhos para este futuro. Eu digo isso, porque acredito que nós criamos identidades entre grupos, comunidades não apenas por apresentarmos um passado comum, até porque atualmente isso é bem raro, mas porque esperamos construir alguma coisa em conjunto. E organizar a lembrança como Memória é capaz de definir essas identidades. Neste sentido, o ato de narrar e registrar uma história tem também um potencial mobilizador, aglutinador, articulador.

O filme Narradores de Javé, da Eliane Caffé, dá justamente a esse conteúdo um exemplo: os moradores da cidade de Javé, ainda que frustradamente, tentam impedir que a cidade seja alagada para a construção de uma represa, recuperando a história da cidade através da fala de seus habitantes. As histórias, como patrimônio do lugar, deveriam servir de justificativa para que a cidade continuasse a existir. E é no ato de narrar que as várias versões da História aparecem de acordo com o presente de cada narrador e com suas expectativas para esse futuro desastroso que aparece no horizonte dos personagens. A História justifica um passado que qualifica um projeto futuro. No caso do filme, serve para um projeto preservação, mas não poderia ser de transformação?

Foi pensando nessas coisas que fui à Cidade Dutra em uma entrevista para trabalhar em uma ONG, como educadora social. Meio ainda sem saber o que era isso, fui pensando que estudar História poderia ajudar em alguma coisa. Depois de pegar um ônibus, um trem e uma lotação, cheguei a uma rua calma cheia de casinhas no meio da Cid. Dutra. De um lado um CEDECA e do outro a ONG, onde dezenas de meninos e meninas se encontram para pensar justamente no seu futuro. Ainda esperando para ser chamada para a tal entrevista, fiquei conversando com a Dona Ivonia. È ela quem abre a casa, faz o café, coloca as bolachinhas na mesa e convive cotidianamente com essa molecada. Ela me contava que um dos garotos, que trabalha no supermercado Dia e que faz um cursinho popular para entrar na universidade, um dia lhe disse: “Eu quero trabalhar em uma Multinacional e mandar.” Ela, com uma risada de quem viu a Zona Sul crescendo e se organizando na década de 1970, retrucou ao menino: “Veja bem, em uma Multinacional, você já trabalha. O Dia é do Carrefour que faz parte de uma Multinacional, agora só falta você mandar” Algum tempo depois, o garoto foi promovido e, agora, ele deveria coordenar o trabalho de outras três pessoas. Ele voltou triste e relatou: “Ai Tia... eu fui promovido e agora eu tenho que ficar falando aos outros, o que eles devem fazer. Mas é horrível! Eu não quero mais.” Ela sorriu novamente e disse: “ Mas não era o que você queria? Você trabalha em uma Multinacional e agora você também manda!” “É.. Mas eu não gostei não.” Eu achei louco como ela, que conhece a história desses adolescentes, consegue ajudá-los a refletir sobre seus projetos. E de como a própria história de vida deste menino o fez pensar sobre uma expectativa que ele deve ter tirado de algum lugar qualquer, mas que na sua irônica realização o fez rever seu projeto. Entrei na entrevista mais tranqüila e, ao invés de uma conversa sofrida, continuei achando que vale a pena a todos contar sua história e ver tudo que a gente já é e ainda pode ser: "nada mais que um operário, [e de repente] compositor de primeira"

E só porque lembrei, aí vai a música do Aniceto:

Entrevista (Aniceto do Império)