quinta-feira, março 26, 2009

O amor no tempo


Hoje vi uma coisa interessante: um livro chamado História do Amor no Brasil, escrita pela professora Mary Del Priori. Coisa acadêmica, cheia de “porens”, de desculpas pelos possíveis deslizes devido à complexidade do tema e tal. Mas me deu vontade de ler. Começava com aquela idéia da História x Psicologia: seria o amor um sentimento imutável ao longo da História ou uma manifestação vinculada ao seu tempo? Claro que, para nós historiadores, esta é uma pergunta meio descabida, até porque a Psicologia é histórica. Mas acho que este é um problema para muita gente, para todos (ou quase todos) que sentem desejos incontroláveis pela razão, pelo logos. Sentem dor física sem ao menos terem lhe encostado no corpo, ou exatamente por isso. Independentemente desta questão, o que me chamou a atenção foi uma definição que a autora deu ao amor: essa nostalgia de um lugar utópico. É como se o amor, para existir, tivesse que ser reinventado cotidianamente no devir, no projeto. E este mesmo projeto é o que presentifica o amor, traz ele para o tempo de agora. Sabe quando antes de dormir, nós criamos um roteiro de situações e diálogos fictícios e, de repente, nossa própria invenção nos conforta e nós quase acreditamos que aquilo realmente aconteceu? Na verdade, nunca vai acontecer. Não daquele jeito que imaginamos. Mas, assim mesmo, temos aquele sentimento nostálgico que torna aquela pequena narrativa quase uma verdade. Pelo menos, uma verdade suficiente para aquele momento. Uma vontade secreta de que ela se repita inúmeras vezes. E assim fazemos, mentalmente.
Da mesma maneira, lembrei de como, quando estamos gostando muito de alguém, já sentimos saudades do momento que estamos vivendo no “agora”. E essa felicidade nostálgica nos leva a crer que estamos amando.
É uma ânsia. Um querer que se estende para o futuro, para aquilo que ainda nem vivemos. Ou, se me recordo bem, segundo Mia Couto: saudades de um lugar que eu nunca fui. Saudades do imaginado, saudades de uma vontade, saudades de não-sei-o-quê. E que faz a barriga embrulhar, o rosto corar, o suspiro alcançar a boca quase em um sorriso.
O músico já diz:

No dia em que ocê foi embora,
Eu fiquei sentindo saudades do que não foi
Lembrando até do que eu não vivi
pensando nós dois.

Esse sentimento que confunde um passado-futuro com o presente aparece em vários lugares como amor.
Outro dia, conversando com um amigo, ele me dizia justamente o contrário. O amor é aquele sentimento que não espera nada do outro, somente que ele “seja” no agora. Um tanto fenomênico, ele continuava: podemos viver esperando um futuro exatamente como o passado que o presente não vê mais. É assim que nos angustiamos, assim que não conseguimos exercer nosso logos na compreensão do amor, esperando que ele seja aquilo que imaginamos que ele deveria ser, ou seja, acreditando justamente no devir. E, quando tiramos do futuro o nosso passado imaginado, conseguimos amar sem angústia, sem frio na barriga, sem constrangimentos ao outro, sem querer que ele seja aquilo que gostaríamos que ele fosse.
Agora, como tirar a temporalidade do viver? Como tirar a História do amor? Ou o amor da História?
Não perderíamos assim a poesia?
Acho que este meu amigo estava falando justamente do amor do nosso tempo, esse amor desenraizado, desterritorializado, a vera... amor sem historia.
Fica a dica do livro, quem sabe eu o alugue..

1 Comments:

Blogger Lia Kayano Morais said...

dica boa, mas bom mesmo foi ler esse texto, adorei!

9:51 PM  

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