quarta-feira, abril 29, 2009

Ainda para falar do tempo


É incrível como tenho acertado o “tempo” na cidade de São Paulo. Eu sempre morei aqui, claro, mas o “tempo” é coisa de gente grande. No meu primeiro emprego, eu ainda prometia “tempos” que eu mesma sabia que não iria cumprir: “Não, em meia hora estou chegando”. E, ao chegar, tinha que novamente me desculpar pelo atraso. Esse “tempo” de que falo - o tempo do relógio - é o tempo do trabalho. Somente no mundo do trabalho, ele passa a ser assim importante a ponto de, atualmente, eu saber exatamente quanto ele vale. Minhas estimativas não falham mais. Ou talvez elas sejam importantes de maneira a me convencer a não enganar-me, nem aos outros, e assumir que nesta cidade, para se chegar na hora, se tem que sair uma, duas, três horas antes.

Eu nunca tive relógio, esses com cronômetro, a prova de água, que acendiam aquela luzinha verde. Achava até meio ridículo isso no pulso de uma criança. Parecia que portavam um relógio de parede no braço, somente para saber a que horas seria o recreio. Eu ainda não tenho. Mas tenho o celular que não me deixa mais perder de vista o “tempo”. E assim saio como uma louca, me deslocando por essa cidade, porém sem aquela péssima sensação de angústia de que não dará para chegar na hora. Não pode mais “não dar tempo”: é o moleque que perderá a aula de natação, se ficarmos mais 15 minutos falando de História, é o banco que irá fechar e eu que pagarei a multa, é o cartório que só abre até as 17hs, é o meu gato que ficará sem comer. Coisas que dependem apenas da minha organização deste “tempo”.

É como se eu estivesse abandonando um mundo onde ludicamente as coisas se resolviam com um sinal que batia de 50 em 50 minutos, independentemente de eu estar ali. E o começo para uma nova vida, onde o “meu tempo” não é meu, mas também só depende de mim. Essa passagem, na real, já aconteceu há muito tempo. Mas sinto que somente agora que moro sozinha, ela começou a tomar corpo na minha consciência, na minha expectativa de não deixar os meus na mão. Minha mãe, a Cuquinha e todos aqueles com quem divido meu “tempo”. E foi assim que comecei a de fato “dominá-lo”, naquilo que ele me impõe de limite, naquilo que posso driblá-lo e rir de sua cara, como quem diz: olha como me encaixei bem nessa vida de gente grande! Quem sabe assim posso ter parte dele só para mim.

2 Comments:

Blogger Lia Kayano Morais said...

Ai, Ju, adorei ler essa inversão da noção de que somos escravos do tempo pela noção de que nós podemos e devemos controlá-lo. Demais... beijos de amor, Lia.

1:01 AM  
Anonymous André said...

também tive minhas viagens sobre o tempo... recentemente escrevi uma dessas viagens no blog

http://ideiasdeimproviso.blogspot.com/2009/03/devaneios-sobre-o-tempo.html

beijo

André

9:29 AM  

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