quarta-feira, maio 02, 2007

"Perto de muita água, tudo é feliz" ( Guimarães Rosa)

Mesmo longe daquela imensidão verde que a gente costuma chamar de mar, pude sentir o cheiro vazio que a água tem. Bem mais adocicado que a aspereza do sal marinho, o odor do rio me lembra a noite. A brisa é diferente. A giganteza dele é finita. Eu poderia atravessar até o outro lado, mas não vou. Isso me guarda mais mistérios.
Nesse final de semana teve seresta na beira dele. Muitos velhinhos reunidos pra lembrar do tempo que já foi. De quando não precisava de palco, nem de luz fria. De quando pedir pra deus um amor não era brega e nem custava dinheiro. De quando saudade doía.
Ouvi muito Noel Rosa e Cartola, que voavam magnificamente das mãos e vozes dos Meninos. Tinham todos mais de setenta anos e se sentavam um ao lado do outro, de frente aquela multidão de senhoras lambuzadas de batom e de crianças enfeitadas com algodão doce. Os olhos brilhavam essa saudade. As mãos grossas, gastas, cheias de pintinhas arranhavam as cordas de aço do violão que esteve sempre ali, grudado no peito. O bandolim, um desfeito, levantou-se antes da hora. Ma ficaram o sopro, o cavaco e a viola. Conversando essa linguagem antiga.
O olhar do moço me arrebatou como um suspiro. Junto veio um assobio de dentro do rio. Surpreendido por eu saber a letra daquela canção seresteira. E eu, orgulhosa, continuei:

“Quando no terreiro
Faz noite de luar
E vem a saudade me atormentar
Eu me vingo dela
Tocando viola de papo pro ar”

Ele me desabrochou um sorriso de gratidão, que eu retribuí com o olhar.
Me deu de repente uma vontade não-sei-de-quê, vontade da velhice, acho que dessa tranqüilidade,
desse passado que eu ainda não tive.

1 Comments:

Blogger Angelamô said...

Ai nostalgia.
Acho que é o outono que dá essa impressão de saudade do que nunca vivemos.
Êta céu azul com pipas
Êta solzinho suave de quentá

beijo, amor

8:17 PM  

Postar um comentário

<< Home