terça-feira, outubro 31, 2006

O Relógio ou A Máquina do Tempo

(história verídica, baseada em fatos reais)

Estou com ressaca do exagero, da atitude desmedida. Não consigo estudar, então invento uma distração. Precisava ir ao banco mesmo...
Desci as escadarias da faculdade de filosofia e acompanhada pelo pôr do sol, rumei pela alameda que dá acesso ao bolsão dos bancos. Nesse caminho por mim, resolvi que não me bastaria refazer a mesma trajetória de volta. Mas a clarice que me acompanhara na noite passada não estava na minha mochila.
- Não posso voltar...não para aquele café, onde as pessoas de óculos escuros riem sem se ver. Onde conversam comigo. Meus olhos estão quase fechando, como o ocaso do sol. Quem sabe no caminho eu encontre alguém...
Nada.
Saindo da porta de vidro, ouço o desespero do senhor que havia perdido um molho de chaves. Com a mão na testa, ele gesticulava e se curvava diante do segurança que, com os lábios cerrados, apertados, e as mãos displicentemente guardadas nos bolsos, apenas balançava a cabeça negativamente enquanto o senhor apontava pra caixa transparente ao lado da porta giratória.
- Acho mais uma vez o mundo um saco.
E seguindo os apelos sonoros de um quero-quero, me volto e avisto a praça do relógio.

Quando tomo um dos passeios que cruzam este enorme gramado aparentemente inóspito, me dou conta de que nele tem vida. Muitos sabiás moram por ali. E se incomodam com minha presença gigante e, nesta tarde, pesada.
O sol ainda não se escondeu e então resolvo procurar a sombra de uma árvore e quiçá seu acolhimento. Dentre muitas, avisto uma que de longe me agrada, é grande, e vou andando até ela, ainda incerta. Ao final, me rendo à primeira escolha, porque estou cansada. Não de caminhar. De escolher. Minha última escolha hoje me parece desastrosa. Pensei muito sobre ela e agora é só um ato precipitado. Um adeus precoce, uma potência acabada. Um aborto. Será que minha ânsia feminina me tira desta condição? Minha vontade de ser mulher me põe no oposto desta corrida?
Queria poder voltar pra casa. Mas fico. Fico com minha primeira escolha.
Ao me aproximar da árvore, verifico se não há formigueiros no chão que se oferece ao redor do grande tronco e, pensando nos testemunhos desta enorme copa, dou mais algumas olhadelas neste ser quase inerte, nas folhinhas que se balançam aplaudindo o vento que vem com a noite.
Já um pouco mais feliz, miro novamente o encontro do tronco com a terra e vejo, bem ali, numa frestinha, o molho de chaves, já todo enferrujado, deixado lá, para um único destinatário, para o primeiro a achá-lo, para mim.

Será que o moço já sabia ou...?

E a lua nasceu.

3 Comments:

Blogger Cathola said...

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada,
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos
Existe, sim; mas nós não a alcançamos,
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Vamo aí Juju, que o mundo é grande e a vida não tem rascunho... Beijocas...

5:36 AM  
Blogger Cathola said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

5:37 AM  
Blogger Cathola said...

Esqueci dos créditos: o nome do moço que escreveu esse poema é Vicente de Carvalho. Beijos

5:38 AM  

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