sexta-feira, junho 22, 2007

sEJA




Hoje vou mais uma vez no estágio que estou fazendo na São Remo. É um Centro de Educação Operária que existe desde meados da década de 1980 e que com a prefeitura da Luisa Erundina conveniou-se com o MOVA, o movimento de alfabetização de jovens e adultos. Desde então, perdeu o convênio com a prefeitura, tornou-se programa de extensão da USP e a partir de 2000, 2001, voltou a receber financiamento e formação pelo MOVA.
Este, por sua vez, surgiu como programa de alfabetização durante a gestão do Paulo Freire na Secretaria Municipal de São Paulo, em 1989 e é resultado de reflexões sobre método e sobre a própria idéia do que é alfabetizar. No caso a prática se fazia na formação dos educadores pelo programa e na mobilização da própria sociedade civil para organizar-se e construir um centro de alfabetização nas comunidades onde havia essa demanda e não havia escolas. É mais ou menos como funciona hoje em dia, em âmbito federal, os Pontos de Cultura: a partir de uma organização prévia da sociedade civil, o governo injeta verba para que ela continue funcionando.
Atualmente, todos os educadores do CEOP são da própria comunidade, não há mais convênio com a USP e a gente é até meio mal-quisto. Eu venho acompanhando algumas aulas desde maio e mantendo um diálogo com a coordenadora do Centro. Ela, a pessoa mais antiga dali, deve trabalhar com MOVA desde seus primórdios, o que explica sua bem encaminhada aula com tema gerador, coordenação de discussão, cópia da lousa, e atividade em grupo, na qual cada aluno tem que colaborar com o outro, diante de uma sala tão heterogênea como são as de EJA. Bem modelar, mas bem encaminhada, bem encerrada e bem mal-vista pelos educandos, porque os obriga a trampar.
Regularmente há um professor por série, de primeira à quarta do ensino fundamental I. A classe que tenho visitado é de primeira série. Tem gente de todos os lugares, de idades variadas e vidas mais ainda. Tem um casal que leva as duas filhas pra classe depois de buscá-las na escola. Elas têm que esperar por duas horas sentadas na carteira, onde vez por outra elas dão uma cochiladinha, sabe aquele sono incondicional de criança?? Tem a D. Maria que se esforça muito e não falta nenhuma aula, faz perguntas ótimas. Tem o S. Vilamar, quieto e muito sagaz, sabe muito bem porque está ali. Tem a D. Cícera, bagunceira, morre de preguiça e gosta de sentar no fundo ao lado dos moleques e ficar conversando com eles. E tem esses meninos, muito inteligentes, mas que ainda não sabem que o são e ninguém se dá conta disso.
A professora sempre escreve a data por extenso e um textinho que é pra eles copiarem. Ela tira esses textos não sei de onde, porque ela nunca fala e geralmente nem eu entendo o que eles querem dizer. O primeiro foi assim:

A ILHA DO PAVÃO

O PAVÃO ABRIU A CAUDA
SOBRE O DELTA DO GUAÍBA,
DISPUTANDO COM O POENTE
DE QUEM ERA MAIS VIVA
PUÁ, RIU O POENTE,
TU ÉS APENAS ILHA!

Ela escreveu, todos copiaram e depois ela apagou....apagou a lousa!! E passou pro assunto: matemática. Quando ficou um pouco pior. Ela deu para eles um quadrante daquele jogo que sai na Folha sabe? Sudoku? Para eles completarem somas de vinte nas linhas horizontais, verticais e uma diagonal. Esse exercício só tem uma solução!! SÓ UMA!!! Se você começa errando, põe o quatro em um lugar que você chutou e não foi o certo, já era! Não há mais solução. Eles ficaram o restante da aula tentando fazer uma coisa que eles mesmos não estavam entendendo. Até que um dos meninos completou o quadrante, dizendo assim: Ó eu fiz e terminei, mas foi com quinze...
Ele achou uma solução somando quinze ao invés de vinte!! Eu fiquei feliz e disse pra ele ir a lousa e demonstrar para os outros o que ele havia feito e achado! Então ele foi mostrar primeiro para a professora e ela disse: Não! Tem que ser com vinte! Se você fez com quinze, pode fazer também com vinte!
AAAAHHHHHH!!!!!!
Ele voltou pra sua carteira e continuou a penar nas tentativas frustradas de somar vinte...até a exaustão. A aula acabou e todos foram embora sem conseguir nada. Sem aprender nada. Sem conversar sobre isso, nem sobre nada. E assim foram as aulas seguintes...
Concluí que essas pessoas nunca sairão de lá. Nunca serão alfabetizadas! Por que, afinal, o que significa alfabetizar? Receber dinheiro da prefeitura pra ter mais poder que o outro e mandá-lo copiar, copiar, copiar, em alto e bom som? Quer formação tiveram esses educadores? Qual relação desse MOVA com aquele que, mal ou bem, formou a coordenadora que mesmo enquadrada num modelo educacional consegue aproveitar os conhecimentos prévios do aluno, do aluno adulto? Que trabalha, vê tv, veio do Ceará, ou do Paraná, toma ônibus, vai no mercado?

Hoje é dia da reunião pedagógica. Vamos ver o qual a relação dessa coordenação aí com os educadores...sobre o que será que eles conversam para que seja tão discrepante as idéias sobre o processo de alfabetização expressadas por uma e por outros na sala de aula?

Será que isso é uma questão?

Ufa! Bom, vamos aí!

Boa sorte, pra nóis tudo!!!!

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Quanta tristeza Juju...

Beijo,

Aline

11:25 AM  
Anonymous Anônimo said...

olá! Sou ex-aluna da USP e participei do CEOP como alfabetizadora no começo da década de 90, quando era MOVA (na sua primeira versão)e depois sem financiamento nem vínculo com nenhuma instituição. Gostaria de entrar em contato com você, estou afastada da comunidade São Remo e deste trabalho há mais de uma década mas queria saber mais detalhes. Por favor escreva para: capaclear arroba gmail ponto com. TKS!

9:47 AM  

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