domingo, dezembro 27, 2009

Pressentimento

Ai! ardido peito
quem irá entender o teu segredo?
quem ira pousar em teu destino?
e depois morrer do teu amor?

Ai! mas quem virá?
me pergunto a toda hora
e a resposta é o silêncio
que atravessa a madrugada

Vem, meu novo amor
vou deixar a casa aberta
já escuto os teus passos
procurando meu abrigo

Vem, que o sol raiou
os jardins estão florindo
tudo faz pressentimento
que este é o tempo ansiado
de se ter felicidade.


(Pressentimento - Elton Medeiros. Intérprete: Elza Soares. Álbum: Candeia e Elton Medeiros 1978) - Para baixar ou ouvir.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Pai-neira


A paisagem do campo é mutável. Um dia o terreno está cheio de colonião. Na semana seguinte, está limpo, com a terra exposta, ao sol. Na outra, podemos ver aquele matinho apontando o primeiro sinal da maniva. Dias depois, ela já é um arbusto que esconde embaixo de si o alimento. Gosto quando, me aproximando de um assentamento rural, vejo que ele se modificou. A cana de outrora não está mais lá. É possível avistar o horizonte, onde antes o verde da folha escondia o céu. E já posso ver, ao longe, o cenário instável que são os assentamentos, a diversidade de tons que contrasta com o canavial monocromático.
Da mesma maneira, a paisagem do campo tem suas perenidades. E essas perenidades são as árvores. Estas, por sua vez, contam muitas histórias. A mangueira que sobreviveu ao primeiro despejo. O pé de abacate plantado por alguém que já se foi. Aquele urucum que já estava ali e permaneceu por conta do esmero do novo morador. Ou o pé de amora que marca a divisa do terreno escolhido pelo seu Antonio. Eu já presenciei até briga de facão por causa de uma jaqueira. São histórias que ouço ao percorrer essa infinidade de vida que se tem no campo. Cada uma é um vestígio de passado e um projeto de futuro. A cada ano, elas acumulam em si e no lugar um bocadinho a mais de história, como se fossem testemunhas do tempo.
Há um lugar, um pequeno sítio ao lado de uma montanha que, quando criança, eu ouvia ser chamado simplesmente de Floresta. Bem no cume deste morro, mora frondosa uma enorme paineira. Podemos avistá-la da estradinha de terra. Ela fica lá encima, vigiando as outras plantas. Lá está o meu pai. Para chegarmos até ela, temos que atravessar uma trilha que nem sempre conseguimos ao menos saber onde ela começa. Nós a abrimos muitas vezes, mas sempre a Floresta se regenera e nós a perdemos novamente.
No entanto, a paineira continua lá. E, quando vou chegando ao seu pé, já começo a me lembrar de quando estive lá pela primeira vez. É assim que, ainda este ano, irei prestar minha homenagem à história que ela me conta e também pedir a sua benção.
"Lá no morro,
uma luz somente havia,
era a Lua que a tudo assistia..."
(Quando o samba acabou - Noel Rosa)

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Toque




O ar estava tranquilo, até meio parado. Parecia que pairava uma névoa amazonense na rua, que deixava tudo meio sépia, como quando nos filmes querem que pareça um sonho. O mundo parecia que ia ficando na pele, enquanto vivíamos. Tudo grudava, ocupando cada poro. E isso ia dando mais calor. Andar na rua era como encontrar esse ar denso que pairava. Íamos trombando nele. Mas ainda assim, não era pesado. Era uma mistura de agonia e satisfação. Afinal, estávamos ali. Ainda não sei direito como chegamos aquele bar, mas lá ficamos. Sentia aquela presença ao meu lado que me trazia tranqüilidade, calma. Sempre foi assim, como uma fumaça sem vento, que sublima leve, reta, uma linha branca em direção ao infinito. Tínhamos um ao outro, e algumas palavras das quais agora não me recordo. Lembro apenas da sensação de estar lá, vivendo tudo naquele agora. Um sorriso, um copo, uma mão nos meus cabelos e a infinita imagem da lua cheia que incrivelmente não se escondia, somente iluminava essa noite quente, abafada, envolvendo aquela conversa. Como e quando nos tocamos? Também não sei dizer. Só sei que foi inevitável. Em um mesmo movimento de pegar a garrafa? Enquanto descansávamos a mão sobre a mesa? Quando buscávamos um ao outro? Não sei. Só sei que aconteceu. E foi assim.