terça-feira, março 31, 2009

Samba do morro e do asfalto

Como todo bom sambista, o Nelson Sargento também tem sua característica física marcante: dois dentes na boca e uma dicção impressionante. Outro dia estava prestando atenção nisso. Noel, sem queixo; Marçal canta "a plimela vez que eu te encontlei"; Candeia ficou preso a uma cadeira de rodas, seu "trono"; Cartola quase não tinha mais nariz; Nelson Cavaquinho era mais cego que o Hermeto e por aí vai.

O samba foi e, muitas vezes, ainda é marginalizado justamente por ser feito por essas pessoas que, de fato, não foram criadas a base de leite Ninho. Entre uma crítica a falta de atenção, tanto por parte das políticas culturais como da própria saúde pública e do urbanismo, a muitas das comunidades onde os sambas tiveram seu berço, e a constatação de que estes lugares estavam no morro, devo dizer que atualmente também tem muita gente boa no asfalto. Ando ouvindo muita coisa interessante vinda de amigos que começaram a pesquisar esses caras e se arriscaram na composição de uma nova safra de sambas bons.

Mando aí embaixo um exemplar da Velha Guarda carioca e outro dos meus contemporâneos paulistas. O primeiro é do Nelson Sargento homenageando o Cartola. Lindo! O segundo é do Thiaguinho Monteiro e do Renato Fontes ao Hélio Bagunça, na voz da Adriana Moreira. Orgulho! Mangueira e Camisa Verde e Branco.



Homenagem ao Mestre Cartola - para baixar
(Nelson Sargento)



Só um peito vazio descobre
que o mundo é um moinho
E quando isto acontece
a alegria vai embora

E as cordas de aço de um violão
solam baixinho
uma canção que se chama
Disfarça e chora

Eu confesso que tive sim
um amor proibido
Vai amigo e diz-me quanto
eu tenho sofrido

Mas tudo se ajustará numa grande alvorada
O sol nascerá
Pouco importa depois
se estaremos juntos nós dois

O nosso amor brilhará numa noite tão linda
as rosas não falam
mas podem enfeitar
a grande festa da vinda



Sorriso do Sambista - vídeo youtube
(Thiago Monteiro e Renato Fontes)

A mocidade do samba está de luto
Na Barra Funda
E as escolas que sempre cultivaram
O compromisso

Entristecidas hoje contam sua história
a trajetória de um sambista com grandeza

E ronca a cuíca e o surdo marca o tempo
Da Furiosa
No peito é que bate o compasso da sua cadência
Com harmonia

Anunciando uma bagunça glamurosa
uma homenagem ao sambista que sorria
Anunciando uma bagunça glamurosa
é a referência do sambista de hoje em dia.

segunda-feira, março 30, 2009

Despertar

A noite é sedenta. É como se o corpo se dilatasse tanto quanto as pupilas. Ela nos ludibria como o tilintar do gelo que gira no copo, nos sacode como o samba que pulsa na cadência de uma batida orgânica, cardíaca. A minha ansiedade por vivê-la se traduz em uma felicidade incontida, explícita que esconde minha ingenuidade. Mas aquela menina que, às vezes, quer apenas a sorte de uma boa gargalhada, ou de um sussurro ao pé do ouvido continua lá. E ela toma conta de mim ao escutar baixinho a deliciosa súplica: “Calma”.
Quando a manhã chega e vejo o sol pelas frestas da persiana, sinto a vontade preguiçosa desta calma, deste silêncio atento que nos faz somente sentir. Com o corpo lento e dorminhoco parece que compreendemos melhor os nossos desejos. O carinho tem gosto de café novo, aquele que beberemos a seguir. Tenho a sensação de que a vida poderia se resumir a algodão cru e bolo de
fubá. É assim que guardo novamente no armário, as minhas sandálias de prata.



quinta-feira, março 26, 2009

O amor no tempo


Hoje vi uma coisa interessante: um livro chamado História do Amor no Brasil, escrita pela professora Mary Del Priori. Coisa acadêmica, cheia de “porens”, de desculpas pelos possíveis deslizes devido à complexidade do tema e tal. Mas me deu vontade de ler. Começava com aquela idéia da História x Psicologia: seria o amor um sentimento imutável ao longo da História ou uma manifestação vinculada ao seu tempo? Claro que, para nós historiadores, esta é uma pergunta meio descabida, até porque a Psicologia é histórica. Mas acho que este é um problema para muita gente, para todos (ou quase todos) que sentem desejos incontroláveis pela razão, pelo logos. Sentem dor física sem ao menos terem lhe encostado no corpo, ou exatamente por isso. Independentemente desta questão, o que me chamou a atenção foi uma definição que a autora deu ao amor: essa nostalgia de um lugar utópico. É como se o amor, para existir, tivesse que ser reinventado cotidianamente no devir, no projeto. E este mesmo projeto é o que presentifica o amor, traz ele para o tempo de agora. Sabe quando antes de dormir, nós criamos um roteiro de situações e diálogos fictícios e, de repente, nossa própria invenção nos conforta e nós quase acreditamos que aquilo realmente aconteceu? Na verdade, nunca vai acontecer. Não daquele jeito que imaginamos. Mas, assim mesmo, temos aquele sentimento nostálgico que torna aquela pequena narrativa quase uma verdade. Pelo menos, uma verdade suficiente para aquele momento. Uma vontade secreta de que ela se repita inúmeras vezes. E assim fazemos, mentalmente.
Da mesma maneira, lembrei de como, quando estamos gostando muito de alguém, já sentimos saudades do momento que estamos vivendo no “agora”. E essa felicidade nostálgica nos leva a crer que estamos amando.
É uma ânsia. Um querer que se estende para o futuro, para aquilo que ainda nem vivemos. Ou, se me recordo bem, segundo Mia Couto: saudades de um lugar que eu nunca fui. Saudades do imaginado, saudades de uma vontade, saudades de não-sei-o-quê. E que faz a barriga embrulhar, o rosto corar, o suspiro alcançar a boca quase em um sorriso.
O músico já diz:

No dia em que ocê foi embora,
Eu fiquei sentindo saudades do que não foi
Lembrando até do que eu não vivi
pensando nós dois.

Esse sentimento que confunde um passado-futuro com o presente aparece em vários lugares como amor.
Outro dia, conversando com um amigo, ele me dizia justamente o contrário. O amor é aquele sentimento que não espera nada do outro, somente que ele “seja” no agora. Um tanto fenomênico, ele continuava: podemos viver esperando um futuro exatamente como o passado que o presente não vê mais. É assim que nos angustiamos, assim que não conseguimos exercer nosso logos na compreensão do amor, esperando que ele seja aquilo que imaginamos que ele deveria ser, ou seja, acreditando justamente no devir. E, quando tiramos do futuro o nosso passado imaginado, conseguimos amar sem angústia, sem frio na barriga, sem constrangimentos ao outro, sem querer que ele seja aquilo que gostaríamos que ele fosse.
Agora, como tirar a temporalidade do viver? Como tirar a História do amor? Ou o amor da História?
Não perderíamos assim a poesia?
Acho que este meu amigo estava falando justamente do amor do nosso tempo, esse amor desenraizado, desterritorializado, a vera... amor sem historia.
Fica a dica do livro, quem sabe eu o alugue..

segunda-feira, março 09, 2009

Samba e violoncelo

Conselheiro (Batatinha)

Além da letra linda do Batatinha, o arranjo e o violoncelo fazem dessa música um carinho para o os ouvidos. Samba e violoncelo, eu sabia que eles tinham algo a ver... Aí ficou claro. É só clicar no nome da música e fazer o download para ouvir.