quinta-feira, março 22, 2007

Dando Bandeira

Bar. Sempre um momento bom pra se psicologizar tudo. A gente está lá, falando do desconcerto do mundo, não do nosso, do mundo, porque é ele que está torto, e sempre tem alguém que parece estar analisando nossa infância! Através daquele olhar agudo que atravessa o peito e vai parar só em 1989 mesmo. Aquele olhar que pensa: lá vem ela com teorias mirabolantes sobre a esquizofrenia mundial, será que não é ela que é esquizofrênica? humm acho que vou ao banheiro e buscar uma breja...
Falávamos sobre ser mulher, sobre como nós não podemos limitar nossas vidas por causa do medo, sobre como nós solteiras ficamos ainda mais atentas quanto a isso, porque ter companhia pra voltar para casa as quatro da manhã é algo eventual (e delicioso...), e sobre as estratégias que criamos pra ter uma vidinha mais digna, num lugar onde nosso corpo, a princípio, não é nosso, já é do outro. Tipo, surpreender o cara que por ventura nos segue numa rua deserta perguntando algo inusitado, como: viu, que horas são agora?
É claro que se o sujeito estiver de má fé, talvez isso não faça a menor diferença no intuito dele. Mas, se pensarmos que a idéia geral sobre a mulher, o natural da mulher, o que é da mulher, blá, blá, blá, espera que nós corramos, ou nos sintamos acuadas e indefesas, uma encarada como esta pode ser desconcertante pro figura, uma ruptura na expectativa, uma surpresa, um não-sei-o-quê-fazer. E de repente, podemos nos safar de alguma possível agressão...
Foi nessa fala a la krav magá, que escutei: você precisa morar sozinha.
Quê??? O que isso tem a ver com o que eu estou dizendo? Você acha que isso é que nem medo de escuro? Não é não, meu bem! Você não faz idéia, porque você não passa por isso! Ou você acha que minha mãe me ensinou isso? Foi não! Foi a vida! Do que você está falando?????
E ele perguntou: pra quê se preocupar tanto assim com autonomia? Não precisar de ninguém também significa estar sozinha...e eu acho que é assim que você é.
Não consegui responder a essa dedada no olho. Sozinha... E ignorando o que isso poderia significar para ele, comecei a pensar em todas as vezes que não consegui dizer às pessoas o quanto elas eram necessárias para mim. Sempre naquela perspectiva de não pesar na vida de ninguém, acho não deixei ninguém ter um peso-pesado na minha própria. Quais, de todos os caras, souberam o quanto eles eram importantes para mim? Quantas vezes me escondi na minha própria auto-suficiência?
Pensando sobre isso, resolvi renunciar à minha unidade:

Me mantive branca,
me mantive estática;
no entanto uma chama
De paixão estranha
Ardeu dentro de mim.
Mas ele não soube,
Nem saberá nunca,
Tudo que senti...

Vi mundos nublados,
Me aromei de nardos,
Me tremia o peito...
E em meu porte erguido,
Me mantive estática,
Minha emoção foi pálida...
Já passou o momento,
Foi-se a tempestade.

Não saberá ele
Que senti seus lábios
Beijar minha carne;
Que ao fitar nos seus
Meus olhos profundos,
Entreguei minh'alma;
Que tremi de anelos,
Juntando nas minhas
As suas mãos cálidas.

Mas passou o momento
Como tudo passa,
E entre labaredas
Desse fogo imenso
Me mantive estática,
Me mantive branca.

Tu sábio e grandioso
Senhor do Universo,
Tu, sim, é que sabes;
Te entrego este grave
Instante que redime
Meus pecados todos;
Guarda meu segredo,
Que ele nunca saiba
Isto que tu sabes.

(Renúncia - Manuel Bandeira)